sexta-feira, 3 de julho de 2015

CRÔNICA DA SEMANA: DONA MENINA


Senhora Francisca (Dona Menina) e Doutor Ary Vital
Vivemos numa sociedade consumista que diariamente nos impulsiona à aquisição de bens, estes, às vezes, não tão essenciais à vida, comprados a fim de se compensar um vazio emocional. Mas, este vazio interior logo volta e muitas vezes até mais intenso, quando a graça já se perdeu ao se ter para si a posse do tal objeto ou “coisa” almejado, pois, este vazio é existencial e sua compreensão foge muitas vezes da nossa razão. O vazio existencial foi compensado da forma errada. E lá na frente, se formos bem mais atentos, descobriremos que precisamos sim consumir sapatos, roupas, joias, bijuterias, peças de vestuários e alimentos, mas isso não basta, porque na verdade, como seres-humanos somos famintos por sentimentos e necessitamos de quilos de amor, sacolas de carinho, toneis de paixão, carrinhos de atenção, cestas de gentileza, caixas de ternuras, beijos e abraços embrulhados em papeis de seda,  capazes que confortar a alma e, quem sabe, até curá-la caso estava ferida. Nós nos tornamos reféns de decisões erradas e compensamos de forma equivocadas. Estamos mais preocupados com o TER do que com o SER, em ser AMIGO, ser IRMÃO, ser FILHO, ser PAI, ser MÃE, ser HUMANO.
No último domingo fui presenteado com uma visita inesperada. Eu sequer sabia da existência daquela doce senhorinha vestida igual uma menina, de sorriso leve e gentil. Eu não, mas, ela sim sabia de mim?
- Oi. O senhor é o doutor Ari?


-Sim, e qual o seu nome dona menina?

-Sou Dona Francisca vim aqui para ajudar minha filha na limpeza do prédio e lhe conhecer, lhe honrar. Escuto muita coisa sobre o senhor.

- Que bom. Nem vou perguntar o que? Mas digo que os comentários sempre serão oras bons, oras maus, afinal, gregos e troianos nunca vão se entender, não é mesmo?

Ela:

- Os comentários são bons.

Eu:

- Que bom.

Ela, como uma palestrante, gesticulando e empostando a voz me fez um convite?

- Doutor, gostaria de convidá-lo para tomar um café na minha casa.

Eu:

- Pois não.

Ela:

- Quando?

Eu:

- Pode ser agora?

Ela se espantou, ficando em silêncio por alguns instantes, pois nunca pensava que eu iria aceitar o convite de pronto.

- O senhor vai mesmo?

- Vou, será que eu acerto o endereço?

- Sim. Vá direto na Avenida Brasil.

E aí eu fui. Tomei um café maravilhoso e conheci esta nobre mulher que com humildade me contou sua história e me mostrou suas mãos marcadas ao longo do tempo pelo trabalho, e me disse:

- Doutor, há 15 anos eu cheguei de Pinheiro do Maranhão e fui residir na comunidade Vista Alegre, Km 115, plantando mandioca, colhendo arroz, milho, feijão e farinha. Trabalhava na roça, vendia e consumia junto com minha família, mas, também trabalhava colhendo pimenta do reino na terra dos outros, nessa época, me pagavam R$- 5,00 reais a diária. Hoje sou aposentada e sou dona de casa, lavo, passo, faço comida e cuido da casa. Mas, se caso for preciso, precisarem de mim faço limpeza em domicílios. 


Me contou tudo isso de forma frenética, enquanto me servia café. Depois que vi aquelas mãos marcadas por toda uma história de labor, mas ainda tão leve, porque também ali se guarda uma ternura, pensei comigo: “E eu aqui preocupado, querendo ir ao dermatologista para tirar estes calos nos dedos causados por tanta digitação. Quer saber vou deixa-los aí, pois,  também contam minha história de aprendizado e trabalho”. Ao final beijei as mãos daquela senhorinha.

- Senhora, muito obrigado pela história da semana. Vou escrevê-la, minha vez de honrá-la.

E com a mão no rosto, ela ria timidamente.

Lembrei-me da minha finada avó Santarena. Ela também tinha calos nas mãos, certa vez, perguntei a ela porque tinha tantos calos e marcas nas mãos, ela me falou que era em razão de anos de trabalho na agricultura. E eu, ainda adolescente naquela época, convidei-a para ir ao dermatologista. Ela recusou o convite e disse deixa eles aí, já estão desde “o tempo do onça”, de noite passou um creme e esta tudo certo.


- Tempo do “Onça”? Vó, não é tempo do “Ronca”?

Perguntei.

E ela respondeu:

- Tô velha, mas não burra. Tempo do “Onça” sim.

E se embalando numa rede, com toda a paciência do mundo, ela me contou:

- Meu neto, no início do século 18, havia um chefe de polícia muito rigoroso e por essa inflexibilidade era apelidado de Onça. O tal xerife fez fama naquela época e com o passar do tempo, outros chefes de polícia mais tolerantes foram nomeados e renovando os quadros de serviços e quando se falava em transgressões da lei, por parte da autoridade, eles diziam: “Isso era no tempo do Onça”, mas com o tempo, o significado foi mudando para designar coisas antigas.


E quem sou eu para contrariar minha avó. Falou tá falado. Para adágio popular não se tem explicação, o povo diz e vai atravessando os séculos, do tempo do “Onça” ou do “Ronca”, como preferirem.

Na realidade “Temos nosso próprio tempo”, como já bem cantava Renato Russo. “Somos tão jovens, tão jovens”, bom lembrar, bom cantar e sei que esses refrões vocês leram cantando. Música boa não tem tempo e nem espaço, assim como grandes histórias sejam da roça ou da cidade.
Dona Francisca Lima de Sousa, muito obrigado pela plantação de afeto a mim dispensada nesse dia era o que precisava. Fica minha homenagem à senhora, eternizada na crônica da Semana. E não acredite na sua filha Ivonete Lopes, pois em momento algum falei que o bolo recheado que ganhei de presente no ano passado, só se cortava com motosserra. Isto é ciúme, beijo para essa ciumenta também.

Finalizando:


Entre o real e o imaginário, entre a verdade e a fantasia aqui contada, o que nem eu mais sei, encerro a crônica da semana. Um beijo à todos, fiquem com Deus e até semana que vem. Ariosnaldo da Silva Vital Filho.

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